Nace Flávio Pereira Lima Advogados, Ropes & Gray, MJAB e i2a Advogados anuncian nombramientos
08/04/2024Financiamento de litígios como instrumento de acesso à Justiça
13/05/2024O balanço do ano de 2023 para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chama atenção para uma situação que não é nova, mas que estará presente nas pautas de política judiciária e legislativa em 2024: o elevado número de processos em trâmite na Corte Superior.
POR ANANDA PALAZZIN | ESTADÃO
De acordo com dados divulgados pelo STJ, foram 458 mil novos processos distribuídos em 2023, número 10% superior a 2022, ano que registrou o Recurso Especial de número 2.000.000, ilustrativo do que os tribunais já atribuíam como “excessivo número” da judicialização no país. Apesar do elevado número, apenas 4% dos recursos especiais não admitidos pelos tribunais de origem tiveram o seu mérito julgado pelo STJ, sendo aproximadamente um terço deles exitoso na alteração da decisão recorrida.
Os recursos especiais são utilizados para revisão dos julgamentos dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça (segunda instância), tendo como base a legislação infraconstitucional, já que o STJ tem a última palavra sobre a sua aplicação. O primeiro exame de admissibilidade dos recursos especiais é feito pela segunda instância e, quando negada, a subida dos recursos ao STJ depende da interposição e do êxito de outro recurso, direcionado à Corte Superior.
A constatação de que os jurisdicionados continuam buscando com frequência o STJ, mesmo enfrentando baixa taxa de sucesso, coloca em dúvida se o sistema está funcionando e, se estiver, para quem e em qual sentido – o da redução da carga de trabalho da Corte ou do acesso à justiça?
De fato, uma das mais relevantes pautas que está por trás desses números é a da gestão do acervo de processos pelos Tribunais e, como há muito e veementemente enunciado, das ferramentas destinadas à redução do acervo de processos que se avolumam ano a ano em todos os órgãos de jurisdição. Não é à toa que o anúncio desses números pelo STJ foi diretamente acompanhado da indicação das “iniciativas adotadas pelo STJ com o objetivo de oferecer uma justiça mais rápida e eficiente”, que continuarão a ter grande relevância em 2024.
Dentre essas iniciativas está a regulamentação da Emenda Constitucional 125/2022, que institui a demonstração da relevância da questão federal suscitada como requisito de admissibilidade do recurso especial, sem a qual, de acordo com o STJ, “não conseguiremos reduzir o acervo na proporção que precisamos”. A busca para mitigar “avalanches” de processos também está sendo enfrentada pelo STJ no julgamento do tema repetitivo 1.198, iniciado no mês de fevereiro, que busca definir se o magistrado, ante a suspeita de ocorrência de litigância predatória, pode exigir que a parte autora emende a petição inicial e apresente documentos capazes de embasar os pedidos apresentados no processo. Guardadas as suas devidas especificidades, em ambos os casos discutem-se requisitos que devem ser preenchidos pelas partes para que os seus recursos ou ações sejam processados e examinados pelo Judiciário. A expectativa de alguns é a de que a imposição dessas condições reduza o número, respectivamente, de recursos especiais e de “ações infundadas”, e, portanto, do acervo de processos a serem julgados.
Essas iniciativas nascem depois de diversas outras criadas para o enfrentamento do volume de processos no Judiciário, a exemplo da técnica do julgamento de recursos especiais repetitivos, da repercussão geral e do emprego de meios formalistas como a jurisprudência defensiva, e frequentemente voltam à tona quando o Judiciário se depara com o incremento dos seus números, como exemplificam os julgamentos do Recurso Extraordinário 631.240/MG, que alterou o entendimento do STF para impor o requerimento prévio administrativo ao INSS para o ajuizamento de demandas judiciais voltadas à concessão de benefícios previdenciários (o INSS, à época, era parte de mais de 30% dos processos em trâmite na Justiça Federal); e da Reclamação 36.476/SP, em que se evidencia que o STJ deixou de admitir o uso da reclamação para tratar do descumprimento de tese fixada em recurso especial repetitivo, também por receio do\ aumento do número de processos na Corte Superior. Não se pode esquecer de que a própria criação do STJ está contextualizada na “crise do recurso extraordinário” e do interesse em desafogar o Supremo Tribunal Federal (STF) dos seus processos.
Como os dados do STJ sugerem, apesar das tentativas, as ferramentas utilizadas até o momento não foram suficientes para enfrentar o número de processos que desaguam no Poder Judiciário. Quais reflexões podem ser tiradas desse cenário?
A primeira é sobre a necessidade de transparência e regulamentação dos critérios que pautam o acesso ao STJ. O alto volume, associado à baixa taxa de julgamento no mérito de recursos, inseridos em um contexto de jurisprudência defensiva (isto é, do uso de formalismos para se impedir que um recurso seja julgado) e de um Judiciário tendencialmente alinhado a teses que provoquem a redução do número de processos a serem julgados, clamam pela mudança da jurisprudência defensiva ou pela regulamentação transparente desses requisitos.
Afinal, de que adianta um modelo em que somente 4% do mérito é apreciado, enquanto os advogados – até mesmo por dever ético – continuam a buscar o STJ? Tendo o Judiciário decidido que não é possível que todos os recursos sejam apreciados diante do volume de casos, parece razoável que o problema seja enfrentado de frente, discutido profundamente, por meio da regulamentação de requisitos, ao invés de se lançar mão de ferramentas como a jurisprudência defensiva, que se atém a detalhes técnicos para restringir o acesso à justiça.
A segunda é sobre a adequação das iniciativas considerando outros fatores que não apenas a racionalização do acervo de processos. Uma linha que não é incomum aos discursos de racionalização é a de que há “excesso de acesso à justiça” no Brasil, dado o alegado “perfil litigioso” do brasileiro, por vezes incentivado pelo oportunismo de advogados, ao mesmo tempo em que a criação de filtros ou requisitos ao acesso contribuiria para a redução de acervo e para o consequente incremento na qualidade da prestação jurisdicional.
Embora os números sejam expressivos e a melhoria na qualidade da prestação seja salutar, há dados da realidade brasileira que não podem ser ignorados – embora comumente o sejam –, já que eles contestam a premissa de que há excesso de acesso à justiça no Brasil. Há de se considerar, por exemplo, que observada a média global, os brasileiros levam menos os seus problemas ao Poder Judiciário, apesar de sofrerem violações de direitos com maior frequência; os brasileiros não preferem utilizar o Judiciário a outros meios, a exemplo dos canais de solução privados, mas o fazem muitas vezes pela sua ineficiência; e os processos no Brasil estão concentrados em poucos litigantes (para ilustrar, em 2012 mais de 40% dos processos eram execuções fiscais).
Esses dados são relevantes para que sejam criadas ferramentas adequadas e efetivas à gestão dos tribunais – e mesmo à prevenção da judicialização – sem que se viole, de forma desproporcional, direitos relevantes como o acesso à justiça e se traga mais insegurança jurídica ao mercado e aos jurisdicionados.