Opinião | Poder Judiciário em números: uma gestão eficiente?
11/04/2024É indiscutível que o financiamento de litígios é uma realidade já incorporada pelo mercado brasileiro e com alto potencial de crescimento por parte de players nacionais e internacionais
POR FLÁVIO PEREIRA LIMA, ANANDA PALAZZIN DE ALMEIDA E LUCA CAZARIM | VALOR ECONÔMICO
A “venda de litígios” ganhou espaço no cenário nacional, consolidando-se como um caminho viável e cada vez mais relevante em disputas empresariais. A prática pode ser vista tanto sob a perspectiva do litígio como um ativo quanto das suas despesas. No primeiro caso, um terceiro que não é parte da disputa adquire os direitos creditórios de demandas judiciais ou arbitrais, seja através de um crédito constituído em um título executivo (i.e., antecipação de fluxo de acordo, crédito em ações de execução, créditos contra empresas em recuperação judicial), ou relacionado a um direito creditório em estágio prematuro, que o mercado costuma chamar de aquisições de legal claims. No segundo, a prática é conhecida como litigation finance, ou financiamento de litígios, e consiste no suporte financeiro necessário para assegurar os custos do processo, conferindo-se, em contrapartida, um percentual dos valores que o litigante potencialmente fará jus caso, ao final, a disputa seja bem-sucedida.
No Brasil, o crescimento das casas que se dedicam a estruturação de financiamento de disputas foi exponencial nos últimos cinco anos. O número de gestoras especializadas nesse segmento mais do que dobrou.
A importância do litigation finance tem fomentado debates entre o mercado e o ambiente acadêmico, a exemplo do 5º Congresso de Direito Processual Empresarial que, em 5 de outubro do ano passado, tratou da necessidade de se dar – ou não – conhecimento sobre a existência do financiador em determinado litígio. No mesmo sentido, o 1º Congresso de Special Situations e Litigation Finance está previsto para ocorrer em agosto e será inteiramente dedicado ao tema.
Destacam-se também os intensos debates a respeito da viabilidade e adequação de se tutelar direitos coletivos em arbitragem, tal como se o sistema arbitral brasileiro adquirisse a roupagem das class actions americanas. Essas discussões foram o pivô para levantar questionamentos sobre a possibilidade e pertinência de financiamento em litígios originados pela coletividade dos investidores de mercado em demandas contra companhias abertas que tenham incorrido em ilícitos informacionais.
Esses debates tornam-se especialmente relevantes quando considerados os custos, sabidamente altos, de um procedimento arbitral. Em muitos casos, se não fosse pela assunção desses custos pela figura do financiador, dificilmente seria possível assegurar pleno acesso à Justiça para a coletividade de investidores prejudicados, seja porque, individualmente, esses investidores não possuem capacidade financeira para arcar com os custos de uma demanda dessa natureza, seja porque, diante dos valores individualmente considerados, a via arbitral sequer seria economicamente viável.
A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) já teve a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Ao julgar o agravo de instrumento nº 2153411-63.2022.8.26.0000, o TJSP foi categórico ao decidir que “o financiamento de litígios é admitido em nosso ordenamento jurídico, inexistindo qualquer impedimento para que o acionista minoritário busque ajuda financeira de terceiros para compartilhar os altos custos e os resultados de uma demanda”.
Além de reconhecer que o ordenamento jurídico brasileiro admite a figura do financiamento de litígios, a decisão também tratou da necessidade de se dar conhecimento sobre o fundo que figurava como financiador do litígio em questão. Os julgadores entenderam que a parte interessada não estava obrigada a apresentar o contrato de financiamento (acobertado pelo sigilo), já que irrelevantes as informações sobre sua estrutura, mas que seria necessário informar a existência do financiamento e o nome do financiador.
O financiamento de litígios em matéria societária ou de mercado de capitais pode funcionar como um instrumento de viabilização do acesso à Justiça, em especial nas chamadas arbitragens coletivas movidas contra companhias em razão da quebra do dever de informação. Tem relevância, ainda, em demandas envolvendo litígios individuais entre acionistas, ou destes contra os administradores por danos causados à companhia e, também, nas disputas iniciadas por acionistas contra os seus controladores, para responsabilizá-los por danos por abuso de poder e violação aos seus deveres de lealdade.
A prática também é atraente sob a ótica das empresas, que não raro enxergam o litígio como uma perturbadora despesa já que, em alguns casos, possuem o risco de afetar significativamente os resultados econômicos e/ou reputação perante o mercado (company killers). Nesses casos, contar com o financiamento de litígios poderia diminuir os riscos associados à alocação excessiva de capital para disputas sujeitas a um julgamento imprevisível, ao mesmo tempo em que aumenta a liquidez e melhora o fluxo de caixa, possibilitando a realocação desses recursos em outra atividade mais relevante para a geração de resultado
A utilização do litigation finance pode mudar a visão sobre a gestão do departamento jurídico de uma empresa, que deixa de atuar como mitigador de despesas e passa a desempenhar um papel estratégico como gerador de receita.
A despeito de existirem alguns pontos pendentes de maturação, é indiscutível que o financiamento de litígios é uma realidade já incorporada pelo mercado brasileiro e com alto potencial de crescimento por parte de players nacionais e internacionais, sobretudo na esfera empresarial e de mercado de capitais.